As
tintas naturais parecem ter surgido por volta de 30.000 a 8.000 a.C, quando
eram utilizadas nas pinturas pré-históricas em cavernas. São compostas por
pigmentos e aglutinantes, apresentam opacidade ou transparência e podem ser
produzidas a partir de terras coloridas, pó de rochas, materiais vegetais ou
animais.
Por
volta de 4.000 anos, alguns corantes já existiam, tais como o azul índigo ou
anil (Indigofera tinctoria), o
vermelho (Rubia tintorium), violeta
(moluscos Murex trunculis e Murex brandaris), amarelo (Curcuma longa e Crocus sativus), azul ultramar (pedra lápiz lázuli). E, a partir do
século XV, com a chegada dos europeus à América e à Índia, novos pigmentos
foram descobertos, como o carmim (a partir do inseto cochonilha).
Nas
sociedades indígenas brasileiras, a pintura corporal possui grande
importância em diferentes aspectos, e essa prática é utilizada em vários
contextos, como expressão de beleza, indicação de preparação para guerra ou
como forma de aplacar a ira dos demônios. Também protege o corpo dos raios
solares e de picadas de insetos. Além disso, possui um aspecto social de
indicação de hierarquia: o padrão e o local da pintura revelam o status daquele
indivíduo na sociedade.
Arte indígena retratada em crianças. Fonte: http://www.museudoindio.org.br/wp-content/uploads/2014/11/ indios_altamira_pintados_criancas.jpg |
Os
corantes naturais podem ser retirados de diversas partes da planta (folhas,
flores, sementes, raízes). Como exemplo de planta nativa, o Pau-Brasil (Caesalpinia echinata), conhecido pelos
tupis como ibirapitanga (“madeira ou árvore vermelha”), desde a colonização do
Brasil, é considerado um produto de grande valor. O lenho da planta encerra o
corante conhecido como brasilina, que ao ser extraído, passava a ser, por
processos de auto-oxidação, a brasileína, o corante utilizado. Os colonizadores
exploravam a planta e utilizavam o corante para tingir tecidos e fabricar tinta
de escrever. Antes da descoberta do Brasil, na Idade Média, o corante já era
conhecido e usado, originário de Caesalpinia
sappan L. das Índias Orientais. De 1500 em diante, o Brasil apossou-se do
mercado até saturá-lo.
O
urucum (Bixa orellana), que significa
“vermelho”, em tupi, é utilizado em recém-nascidos e em meninas (na chegada à
puberdade), e outras ocasiões (casamentos, rituais antropofágicos e funerários,
sacrifícios e cerimônias de exumação). Além disso, era considerado afrodisíaco e
antídoto para veneno da mandioca. A tintura era feita com as sementes, cujo
principal corante é o norcarotenóide bixina. A bixina é inócua e insípida, e
bastante utilizada para colorir alimentos, como manteiga, queijo e massas. O
urucum também é uma base para o corante denominado colorau. O fato de a bixina
ser lipossolúvel permitiu aos indígenas preparar uma pasta do arilo vermelho,
presente nas sementes, veiculado em óleo, fácil de esfregar na pele e que
trouxe admiração aos primeiros europeus no Brasil, ao observar os costumes dos
indígenas. Em sua carta ao rei D. Manoel I, Pero Vaz de Caminha dizia: "Traziam alguns deles ouriços verdes
(se referia ao urucum), de árvores, que
na cor, quase queriam parecer castanheiros; apenas eram mais e mais pequenos. E
os mesmos eram cheios de grãos vermelhos, pequenos, que, esmagados entre os
dedos, faziam tintura muito vermelha, da que eles andavam tintos; e quando se
mais molhavam mais vermelhos ficavam". O urucum é colhido nos meses de
maio e junho. As sementes são raladas em peneiras finas e fervidas em água para
formar uma pasta. Com esta pasta são feitas bolas que são envolvidas em folhas,
e guardadas durante todo o ano para as cerimônias de tatuagem. A tinta do
urucum também é usada para tingir os cabelos, e na confecção de máscaras
faciais.
Tabela 1. Relação de plantas nativas que podem ser utilizadas para a
retirada de corantes, e a tonalidade do corante correspondente.
Plantas
|
Tonalidade do corante
|
Plantas
|
Tonalidade do corante
|
Jatobá
(Hymenaea coubarilL)
|
Marrom
alaranjado
|
Indigofera tinctoria, Fabaceae
|
Azul
índigo ou anil
|
Carajuru
( Arrabidaea chica (HBK) Bur.,
Bignoneaceae)
|
Vermelho-escuro
a vermelho-tijolo
|
Raiz-de-são-joão
ou espinho de judeu (Berberis laurina
Thunb, Berberidaceae)
|
Amarelado
|
Caroço
de abacate (Persea sp. , Lauraceae)
|
Alaranjado
|
Jenipapo
(Genipa americana L., Rubiaceae)
|
Preta
|
Folha
de erva-mate ( Ilex paraguariensis A.
St. - Hil, Aquifoleaceae)
|
Verde-musgo
e cinza
|
Pau-brasil
(Caesalpinia echinata -
Leguminosae)
|
Avermelhado
|
Raiz
de Açafrão-do-campo ou do mato (Escobedia
curialis (Vell.) Penn., Scrophulariaceae.)
|
Amarelado
|
Sementes
de Urucum (Bixa orellana, Bixaceae)
|
Avermelhado
|
Na
tribo Xikrin, um subgrupo Kayapó, as mulheres pintam-se umas às outras e aos
filhos com mistura de jenipapo (Genipa
americana L., Rubiaceae) mascado, carvão e água. A seiva do fruto maduro e
fresco do jenipapo produz tatuagens de cor preta, graças a um iridóide
conhecido como genipina. A seiva é incolor em si, e produz a cor preta após
reagir com proteínas da pele. Segundo relatos de Hans Staden sobre tupinambás
no litoral de São Paulo, a pintura durava por, no mínimo, nove dias, mesmo
quando eles se lavavam muitas vezes.
Naturalmente,
quase todos os pigmentos de origem vegetal perderam hoje sua importância em
face do emprego generalizado dos corantes sintéticos. Poucos conservam-se em
uso para finalidades especiais. É o caso da hematoxilina, utilizada na
coloração de preparados microscópicos e em certos casos no tingimento de
tecidos; do tornassol e da cúrcuma, como indicadores nos laboratórios de
química, e da última ainda para corar alimentos, ao lado da bixina, tirada do
urucum.
Autores:
Juliana Toshie Takata, Maiara Albanez Pereira, Rafaella Eduarda Volpi, Renan
Lopes Rodrigues.
Bibliografia
utilizada:
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- Castro, Leonardo. Índios no Brasil: história, sociedade e cultura. Disponível em <http://novahistorianet.blogspot.com.br/2009/01/ndios-no-brasil-histria-sociedade-e.html e http://www.indioeduca.org/?p=1269> . Acessado maio de 2015.
- Ferreira, Eber Lopes. Tingimento vegetal: teoria e prática sobre tingimentos com corantes naturais. Copyright Comissão Pró-Indio - SP. 1º edição.
- Junqueira, N.T.V., et al. Frutíferas nativas do Cerrado: O extrativismo e a busca pela domesticação. XXII Congresso Brasileiro de Fruticultura. Bento Gonçalves - RS. 2012.
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- Pinto, Angelo C. Corantes naturais e Culturas indígenas. Disponível em <http://www.i-flora.iq.ufrj.br/hist_interessantes/corantes.pdf>. Acessado em maio de 2015.
- Rizzini, Carlos Toledo. Botânica econômica brasileira. 1976.