terça-feira, 12 de maio de 2015

O Uso da Mandrágora na Idade Média Européia

 Mandrágora nativa florescida.
Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-dZmaEfV7cBc/Tk8ZWOLeYAI/
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A mandrágora (Mandragora officinarum), nativa do Mediterrâneo, crescida em regiões de orlas e clareiras, é uma planta da família Solanaceae (a mesma do tomate). Possui as seguintes características: herbácea, sem caule, dotada de flores campanuliformes azuis (formato de sino) e frutos babáceos, conhecidos como a “maçã do diabo”, devido ao seu aroma e toxicidade, sendo considerada afrodisíaca pelos árabes. Além dos seus frutos, todas as partes desta planta apresentam uma certa toxicidade e podem ser prejudiciais aos humanos se consumidos de maneira errada. Sua toxicidade se deve a presença de alcalóides tropânicos, como a hiosciamina e hioscina, substâncias responsáveis pela amnésia causada pela ingestão dos frutos dessa solanácea. Apesar de todas as propriedades afrodisíacas, muitas das lendas, crenças e superstições eram devido à raiz bifurcada e retorcida que tinha formato antropomórfico.
Os primeiros registros da mandrágora datam de aproximadamente 2.000 anos, no tempo de Plínio “o Velho”, onde durante as campanhas militares os romanos mascavam pedaços da raiz para se anestesiar ao passar por uma cirurgia; e da bíblia nos capítulos de Gênesis e Cantares, onde é mencionada como suposto afrodisíaco. Posteriormente seu uso se tornou recorrente, pois se acreditava que “sua raiz de aspecto antropomórfico, teria sido inicialmente fabricada com a mesma terra com que Deus modelara Adão, o que teria dado lugar a supremacia dela sobre outros vegetais”. Isso se reflete pela aparição de uso de mandrágora em lendas como a lenda celta de “Tristão e Isolda”, que conta que os dois se apaixonaram ao tomar uma poção feita de mandrágora, meimendro e beladona. Durante o Renascimento ela também é citada por Shakespeare na obra “Romeu e Julieta”, e mais recentemente ela aparece na obra de J. K. Rowling, “Harry Potter e a Câmara Secreta” (1998), que conta parte da lenda que envolve a coleta da planta, e seus poderes curativos difundindo o conhecimento e a lenda sobre a espécie entre os jovens. Retornando a aparecer como fonte de cura no filme de Guillermo Del Toro, “O Labirinto do Fauno” (2006), onde a personagem principal se utiliza de uma raiz de mandrágora para tentar salvar sua mãe doente.

Representação da mandrágora em Harry Potter e a Câmara Secreta.
Fonte: http://2.bp.blogspot.com/-aRyqEn5L1gM/VKsGpXdsPOI/
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Foi durante a Idade Média que o vegetal ficou conhecido e muitas das suas lendas foram criadas. Devido a sua natureza narcótica e principalmente ao aspecto “humano” de sua raiz bifurcada e retorcida, ela era associada à feitiçaria e bruxaria, destinada a curar a loucura e a prática de exorcismos. Nesta época as lendas e superstições envolviam tudo sobre a planta, desde o seu nascimento até a sua colheita. De acordo com as crenças populares, a mandrágora crescia sob patíbulos, aonde caíam sêmens ejaculados por pessoas enforcadas. A pessoa afortunada que possuísse essa raiz em formato antropomórfico se assegurava que a planta teria gritado e matado quem a ouvisse, no momento em que foi arrancada do solo.
Dessa forma, sua colheita nunca era realizada por mãos humanas, pois os gritos agonizantes dessa “planta humana e descendente de um enforcado” eram extremamente perigosos para os ouvintes. Sendo assim, o procedimento de retirada da raiz era composto por diversas regras, a fim de salvaguardar a vida de quem a fosse arrancá-la. Primeiro, cava-se um buraco bem profundo ao redor da raiz, mantendo-a debaixo da terra e quieta, e, por fim, atar uma corda ao redor da raiz e em um pescoço de um cachorro de pelagem negra ou escura. Em seguida, a pessoa se afastava do local e chamava o animal para se aproximar dela, arrancando a raiz, matando o animal enforcado e agonizando com o grito mortal da mandrágora.
Representação da colheita de mandrágora.
Fonte: https://lostemplariosysuepoca.files.wordpress.com/2013/01/mandragoramini.jpg 
Aliado às práticas de cura que surgiram durante a Idade Média, o uso de plantas consideradas mágicas continuava sendo constante, tendo a elas sendo atribuídas poderes curativos. Ás raízes era atribuída uma especial importância, a elas atribuía-se um poder curativo devido ao seu estado “intermediário entre os elementos, como entre o vivo e o morto”. Porém, quando consumidos em altas doses levam a estimulação seguida de depressão, em doses baixas diminuem a secreção de saliva, brônquica e a sudorese. Variando-se a dose pode-se obter alucinações percebidas como reais, amnésia durante a intoxicação, perda dos sentidose sono profundo.

Raiz de mandrágora.

Fonte: https://teufelskunst.files.wordpress.com/2012/05/img_0701.jpg
 
Juntamente a outras duas solanáceas, a beladona e o meimendro, era muito associado à bruxaria e à feitiçaria pois permitiam realizar profecias e adivinhações. Também eram feitos unguentos com os quais poderiam obter o poder de voar. Conhecido como a “fórmula do voo”, era passado em algumas regiões do corpo e esfregado sobre alguns materiais que posteriormente eram colocados em contato com certas áreas do corpo, por exemplo, como um cabo de vassoura que recebia o esfregaço e era posicionado entre as pernas da “bruxa”, e ao entrar em contato direto com a mucosa vaginal o unguento era absorvido pelo organismo mais rapidamente. Por ser ingrediente de muitos feitiços e sempre estar envolta em mistérios e lendas a mandrágora era muito valorizada, chegando a ser podada para ter um formato mais humano e ter seu valor aumentado, pois quanto mais humana parecia maior poder lhe era atribuído.


Autoras: Ana Laura Furlan Blanco e Aline Campelo Mendes

Bibliografia utilizada:
  •  ANDRÉ, B.A.G. O Arsenal Farmacêutico da Antiguidade Clássica e da Idade Média. 2013. 135f. Tese (Mestrado em Ciências Farmacêuticas – Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade Fernando Pessoa, Porto. 2013. 
  •   MARTINEZ, S.T.; ALMEIDA, M.R.; PINTO, A.C. Alucinógenos naturais: um vôo da Europa Medieval ao Brasil. Química Nova, v.32, p 2501-2507, 2009.
  •   LIMA, J. (2010). Plantas e Dor. Contributo para o Estudo Etnoantropológico do Tratamento da Dor. Almada.
  •   LUENGO, M.B. Uma revisão histórica dos principais acontecimentos da imunologia e farmacologoia na busca do entendimento e tratamento das doenças inflamatórias. Revista Eletrônica de Farmácia, v.2, p 64-72, 2005.
  •   PEREIRA, M.M.D. Plantas medicinais e aromáticas das boticas conventuais da Universidade de Évora. In: Convento dos Nossa Senhora dos remédios e a Ordem do Carmo em Portugal e no Brasil, 1, 2013. Évora. Resumos... Évora: Universidade de Évora, 2013, p.1.
  •   PINHEIRO, M.E. Ciência e Magia na Idade Média: Fusão ou Dicotomia? Revista Labirinto, v.20. p.138-148, 2014.
  •   ÁVILA, V.; ARNAU, E. La botica Del monasteiro. La Medicina medieval actualizada. TikalEdiciones, Barcelona. 1999

Medicina popular: benefícios e precauções

O uso e o conhecimento de plantas como medicamentos é uma atividade muito antiga, antecedendo a história humana escrita, e simboliza, em muitos casos, o único recurso terapêutico de muitas comunidades e grupos étnicos atuais. Ao lado da domesticação e da agricultura, ocorreu a descoberta dos benefícios terapêuticos de algumas plantas, sendo que muitas das ervas e temperos usados ​​na alimentação, também são usados como compostos medicinais contra patógenos e infecções. Ao longo da história, observa-se o conhecimento progressivamente adquirido em relação às dosagens específicas para cada droga e ampliação da fabricação e administração dos remédios.
As angiospermas ainda são a fonte da maioria das plantas medicinais. Muitas das ervas daninhas comumente encontradas, como a urtiga e o dente-de-leão, apresentam propriedades medicinais. Pelo menos 12.000 compostos foram isolados até hoje, número estimado em menos de 10% do total. De acordo com a legislação brasileira, as plantas medicinais podem ser comercializadas em farmácias e herbanários, sendo que quando são processadas industrialmente, tornam-se fitoterápicos. Esse processo industrial, teoricamente, evita contaminações e padroniza a quantidade e a forma de utilização das plantas.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) cerca de 80% da população mundial fez uso de algum tipo de erva no intuito de aliviar alguma sintomatologia dolorosa ou desagradável. Dessa porcentagem, 30% ocorreu por recomendação médica. No caso do Brasil, as principais plantas da medicina popular são as popularmente conhecidas como arruda, alecrim, babosa, bardana, boldo, catinga-de-mulata, capim-limão, carqueja, cavalinha e quebra-pedra.
Plantas medicinais comumente usadas. 
Disponível em: < http://mundoestranho.abril.com.br/materia/quais-sao-as-plantas-medicinais-mais-utilizadas>.
Dessa forma, “medicina popular” se refere ao uso de plantas para o tratamento de doenças e infecções, bem como na prevenção e redução dos efeitos dessas. Mesmo não sendo um termo usado com frequência, você provavelmente já se deparou com alguns de seus exemplares. É muito comum que, quando alguém está com dor no fígado ou estômago, escute a recomendação para “tomar” chá de boldo. Além do mais, é normal ouvir que plantas naturais fazem muito bem a saúde, e que podem ser utilizadas na cura de inúmeras doenças. Certo? Nem sempre! Primeiramente, é importante ressaltar que muitos compostos utilizados para a fabricação de medicamentos são retirados de plantas. Entretanto, embora haja uma generalização desse conceito, existe uma variedade de plantas medicinais que, dentre outras propriedades prejudiciais ao organismo humano, são providas de alto teor de toxicidade. Dessa forma, é importante buscar informações com profissionais da saúde e ter um cuidado maior quando gestantes, lactantes, crianças e idosos forem utilizar esses produtos.
Outro aspecto resultante da defasagem desse conceito é subestimar as propriedades medicinais das plantas, fazendo uso delas de forma aleatória. Assim, é importante salientar que substâncias alimentícias, tóxicas e medicamentosas diferem apenas em relação à dose, a via de administração e a finalidade com que são empregadas. O chá de boldo, por exemplo, em pequenas doses pode aliviar dores no fígado e do aparelho digestório, porém, em grandes quantias, pode atuar como um poderoso analgésico capaz de mascarar sintomas de uma enfermidade grave, podendo causar irritação gástrica e até abortos (FRANÇA et. al, 2008).
Além disso, uma dúvida que fica é: como fazer para usar as plantas corretas? Ou seja, como identificá-las corretamente para evitar possíveis toxinas? No caso do “boldo” trata-se de uma espécie, um grupo ou só de plantas parecidas? No Brasil, há três espécies de “boldo”: boldo do Chile (Peumus boldus), falso boldo (Plectranthus barbatus) e boldo baiano (Vernonia condensata). As duas primeiras espécies podem causar efeitos colaterais em humanos, trazendo a tona outro problema: um mesmo nome popular pode incluir várias espécies botânicas, ou uma mesma espécie pode apresentar várias denominações populares. Sendo assim, é muito importante verificar qual espécie de planta está sendo usada (MAURO et. al, 2008).


Chá de boldo: produto bastante utilizado na medicina popular,
 principalmente contra problemas do trato digestivo.

Disponível em: <
http://www.bolsademulher.com/sites/
www.bolsademulher.com/files/medicina-alternativa/beneficios-cha-de-boldo1.jpg>.
Por ultimo, mas não menos importante, as plantas medicinais podem reagir com medicações alopáticas e prejudicar a saúde do individuo. Por exemplo, por serem produtos xenobióticos, isto é, substâncias estranhas ao sistema biológico, os fitoterápicos empregados no período pré-operatório podem afetar o ato anestésico ao interagir com os agentes anestésicos.
Dessa maneira, é essencial o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais. Para isso, é preciso ter as informações necessárias sobre o uso, a origem, a identificação e o modo de preparo correto dessas plantas. Assim, órgãos, como a Sociedade brasileira de Plantas Medicinais, têm como objetivos possibilitar, facilitar e estimular o aprimoramento científico e tecnológico na área de Plantas Medicinais nativas ou cultivadas. Nada impede um indivíduo de utilizar folhas que tenha no quintal de casa e fazer um chá para aliviar certos sintomas. Todavia, com a grande diversidade vegetal e cultural do Brasil, alguns cuidados devem ser tomados, sendo que a regulamentação e os incentivos à pesquisa podem abrir diversos caminhos neste vasto território, de modo a propiciar que a população faça uso desses recursos naturais com maior eficácia e segurança.

  

Autores: Marino da Motta Nanzer, Rafael Farina, Silvia Sayuri Mandai e Vanessa Thomé.


  
Bibliografia utilizada: