terça-feira, 17 de março de 2015

As palmeiras nativas e suas fibras

Todos os produtos hoje utilizados e produzidos pelo ser humano possuem como matéria-prima produtos naturais. Estes produtos podem ser de origem animal, mineral ou vegetal por exemplo. Em todas as épocas e culturas, as fibras vegetais foram úteis em trançados, fixação, vestuários, adornos, cordoaria, alimentos e outros usos econômicos, culturais e arquitetônicos, fundamentais ao desenvolvimento das relações sociais e econômicas internas e externas entre povos e culturas.
O tecido vegetal esclerênquima é formado por dois tipos de células: os esclereídes, ou células curtas, e as fibras esclerenquimáticas, células alongadas, resistentes e flexíveis que são o principal componente das fibras vegetais. Atualmente, as fibras vegetais possuem diversas aplicações industriais e comerciais em muitas atividades cotidianas fundamentais à economia, saúde humana e animal, construção civil, vestuário, cosméticos e indústria automobilística.

As fibras vegetais são formadas por diversos componentes químicos constituídos a base de Hidrogênio (H) e Carbono (C), sendo os principais a celulose, a hemicelulose e a lignina. De acordo com a sua origem as fibras vegetais podem ser agrupadas em fibras de semente, raiz, caule, folhas e fruto do coco.
As palmeiras são importantes fornecedores de fibras. Dá-se o nome de palmeira às árvores pertencentes á família Arecaceae. No Brasil, ocorrem 390 palmeiras nativas, sendo a maioria originaria da região amazônica, que conta com 290 espécies.  Das palmeiras podem ser extraídos diversos produtos, que são importantes principalmente em comunidades tradicionais. Dessa forma, estas plantas apresentam importância no mercado local, nacional e internacional, seja na produção de palmito, polpa, fibras ou óleos.
Atualmente diferentes tecnologias recebem investimentos que objetivam a elaboração de materiais sintéticos que imitam as fibras naturais, mas especialmente que otimizam o uso e a aplicação destas fibras, dado a larga utilidade e qualidade como material.
 Buriti
 O buriti foi classificado pelos naturalistas estrangeiros como umas das árvores da vida, pois dele se aproveita tudo. As fibras, retiradas das folhas do buriti, são bastante utilizadas no artesanato nordestino.  O talo mais duro serve para fazer cestas e cabos de vassoura. As tiras mais grossas são utilizadas na fabricação de tapetes e esteiras e as mais finas são usadas em para confeccionar bijuterias, chapéus, bolsas, toalhas de mesa, brinquedos, etc.
 Coco
As características da fibra, como coloração uniforme, elasticidade, durabilidade e resistência à tração e à umidade, oferecem muitas possibilidades de utilização como matéria-prima natural para a indústria na fabricação de xaxins, esteiras, cordas, tapetes, escovas, vassouras. A fibra de coco também pode auxilia na área agrícola como matéria-prima para controle de erosão e repovoamento da vegetação de áreas degradas. Por sua lenta decomposição, protege o solo diminuindo a evaporação, aumentando a retenção e a atividade microbiana do solo. Tem-se também utilizado esta fibra como reforço em matrizes poliméricas, por exemplo, em compósitos com plásticos, apresentando vantagens quando comparada a outros materiais sintéticos, com relação a biodegradabilidade e a reciclabilidade.

 Jarina
O marfim-vegetal ou jarina (Phytelephas macrocarpa) é uma palmeira de crescimento lento com belas frondes que brotam diretamente do chão. Logo abaixo das folhas nascem grandes aglomerados fibrosos que consistem em frutos lenhosos bem compactos. As folhas (palhas) são utilizadas na cobertura de casas por populações locais e as fibras para confecção de cordas. Contudo, a parte mais usada da planta é a semente sendo a mais nobre da Amazônia para uso em biojóias. O marfim vegetal é uma alternativa ecológica e prática, por se parecer com o de origem animal. 

 Piassava
A palmeira Attalea funifera Martius, conhecida por piaçava ou piaçaba, é espécie nativa e endêmica do sul do Estado da Bahia. Produtora de fibra longa, resistente, rígida, lisa, de textura impermeável e de alta flexibilidade, essa palmeira se desenvolve bem em solos de baixa fertilidade e com características físicas inadequadas para a exploração econômica de muitos cultivos.  A importância econômica da piaçaveira está na extração das suas fibras industriais, destacando-se a fabricação de vassouras, enchimento nos assentos de carros, cordoaria e escovões.  

Autores: Caio César Damasceno Monção, Florença Freitas Silvério, Fernanda E. Arab, Loyná  Eua Flores e Paez.

Bibliografia utilizada:

Quatro Gossypium e um gene viajante

O algodão tem sido utilizado há milhares de anos, e sua domesticação remonta a mais de 6000 anos atrás, sendo que vários povos isolados fizeram uso do recurso independentemente, como os índios brasileiros, incas e árabes. E mais, estes povos criaram instrumentos de manejo do algodão muito similares para a fabricação de tecido. Na Europa, ele foi introduzido durante a invasão árabe na Península Ibérica no início do século VIII.
No entanto, o algodão só começou a ganhar mais destaque nos mercados mundiais durante a Revolução Industrial, com a criação de máquinas que facilitavam a manufatura de tecido, criando uma grande demanda por algodão. Diante deste cenário, o americano Eli Whitney patenteou uma máquina descaroçadora de algodão, que separava as sementes das fibras. Esta máquina era tão eficiente que aumentava a velocidade do processo em dez vezes. Assim, a produção de algodão cresceu tanto nos Estados Unidos, com uma crescente demanda, que a produção do insumo valia mais que todos os outros produtos americanos somados. A mão de obra da época era composta de escravos, e como muitos trabalhadores eram necessários para manter toda esta indústria, a quantidade de escravos negros nos EUA se tornou absurda, mesmo após a proibição do tráfico. Isto mudou os rumos da escravidão no país, e o grande número de escravos foi um dos principais fatores que levou à Guerra da Secessão.
Hoje em dia, a palavra “algodão” se refere a um grupo de 50 espécies do gênero Gossypium (Malvaceae) encontradas naturalmente no sudeste do México, nordeste da África e Arábia, e na Austrália. Contudo, quatro dessas espécies são comercialmente mais utilizadas devido à qualidade das fibras presentes em suas sementes: G. hirsutum, G. barbadense, G. arboreum e G. herbaceum.          
Além da importância agrícola do grupo, o gênero Gossypium é um excelente modelo de estudo dos mecanismos de hibridização, biogeografia, alongamento celular e biogênese de parede celular. As caracterítiscas das fibras e a seleção das espécies de maior importância econômica são resultado destes estudos, e pesquisas de engenharia genética e fisiologia vêm buscando formas de maximizar a produtividade da agricultura.
Apesar de ser denominada “fibra de algodão”, o termo mais apropriado é tricoma. Essas células são formadas da epiderme do óvulo durante a abertura da flor, passando por 4 etapas; diferenciação da fibra, alongamento celular, deposição da parede secundária e maturação.
Sementes maduras das subespécies tetraplóides de Gossypium hirsutum (A e B, respectivamente), as espécies tetraplóides de G. tomentosum (C), G. arboreum (D), G. herbaceum (E) e as espécies diplóides de G. raimondii (F), G. davidsonii (G), G. longicalyx (H), G. anomalum (I) e G. sturiianum (J). Variações do tamanho da semente e as características das fibras de A – J são evidenciadas no painel K. (Extraído de WENDEL; APPLEQUIST; CRONN 2001).
Entre as 50 espécies de algodão já descritas, as comercialmente mais utilizadas são alotetraplóides - um tipo de poliploidia onde os cromossomos derivam de espécies diferentes, no caso, quatro vezes cada cópia dos cromossomos -, e a maioria restante, diplóide. Acredita-se que a poliploidia foi o fator decisivo na escolha dessas espécies em razão da diminuição da homozigose e a expressão de genes quantitativos relacionados às características das fibras. Assim, o termo “qualidade da fibra” refere-se à graduação dessas características, facilitando as transações comerciais desse insumo.
A economia algodoeira movimenta hoje aproximadamente 12 bilhões de dólares, mais de 30% da indústria têxtil. O Brasil desponta como um dos maiores consumidores do produto, o que explica sua posição como terceiro maior produtor e quinto maior exportador mundial. Outros países que se destacam também são os Estados Unidos, Índia, China e Paquistão.
Por ser uma fibra têxtil de origem vegetal, o algodão é, entre as principais fibras, a de produção mais sustentável, por não requerer tanta água durante o crescimento ou alterações químicas durante a manufatura. Além disto, do algodoeiro também são utilizadas várias partes da semente, que dão origem a compostos que estão muito presentes na indústria alimentícia humana e animal, como óleo e proteínas.

Autores: Aline Maria Lucchetta, Enrico Cerioni Spiropulos Gonçalves, Guilherme Garcia Costa e Rodrigo Guedes Hakime.  

Bibliografia utilizada: 
  • ABRAPA (Associação Brasileira de Produtores de Algodão) – Estatísticas: O algodão no mundo. Disponível em: www.abrapa.com.br/estatisticas acesso em 14/03/2015.
  • BRADOW J. M., DAVIDONIS G. H. Quantification of Fiber Quality and the Cotton Production-Processing Interface: A Physiologist’s Perspective. The Journal of Cotton Science, Vol. 4, p. 34-64, 2000.
  • COMAI L. The Advantages and Disadvantages of Being Polyploid. Nature Reviews, Vol. 6, p. 836-846, 2005.
  • COTTON TODAY – About Cotton Susteinability: Cotton vs. Other Fibers. Disponível em: cottontoday.cottoninc.com/sustainability acesso em 14/03/2015.
  • DAVIS K. C. How inventions change history (for better and for worse), TED-Ed, 2012.
  • EMBRAPA, Cultura do Algodão Herbáceo na Agricultura Familiar-Subprodutos do algodão, 2003. Disponível em: sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br acesso em 14/03/2015.
  • HISCOCK S. J., HEGARTY M. J. Genomic Clues to the Evolutionary Success of Polypliod Plants. Current Biology, Vol. 18, p. R435-R444, 2008.
  • SEAGULL R. W., OLIVERI V., MURPHY K., BINDER A., KOTHARI S. Cotton Fiber Growth and Development 2 – Changes in Cell Diameter and Wall Birefringence. The Journal of Cotton Science, Vol. 4, p. 97-104, 2000.
  • The Biology and Ecology of Cotton (Gossypium hirsutum) in Australia. Office of the Gene Techonology Regulator, 2002.
  • TRIPLETT B. A., KIM H. J. Cotton Fiber Growth in Planta and in Vitro. Models for Plant Cell Elongation and Cell Wall Biogenesis. Plant Physiology, Vol. 127, p. 1361- 1366, 2001.
  • WENDEL J. F., APPLEQUIST W. L., CRONN R. Comparative development of fiber in wild and cultivated cotton. Evolution and Development, Vol. 3, p. 3-17, 2001.
  • WENDEL J. F., BRUBAKER C., ALVAREZ I., CRONN R., STEWART J. McD. Evolution and Natural History of the Cotton Genus. Retirado de: Andrew H. Paterson (Ed.). Genetics and Genomics of Cotton. Plant Genetics and Genomics: Crops and Models, Vol. 3, p. 3-22, 2009.