O
algodão tem sido utilizado há milhares de anos, e sua domesticação remonta a
mais de 6000 anos atrás, sendo que vários povos isolados fizeram uso do recurso
independentemente, como os índios brasileiros, incas e árabes. E mais, estes
povos criaram instrumentos de manejo do algodão muito similares para a
fabricação de tecido. Na Europa, ele foi introduzido durante a invasão árabe na
Península Ibérica no início do século VIII.
No
entanto, o algodão só começou a ganhar mais destaque nos mercados mundiais
durante a Revolução Industrial, com a criação de máquinas que facilitavam a
manufatura de tecido, criando uma grande demanda por algodão. Diante deste
cenário, o americano Eli Whitney patenteou uma máquina descaroçadora de
algodão, que separava as sementes das fibras. Esta máquina era tão eficiente
que aumentava a velocidade do processo em dez vezes. Assim, a produção de
algodão cresceu tanto nos Estados Unidos, com uma crescente demanda, que a
produção do insumo valia mais que todos os outros produtos americanos somados.
A mão de obra da época era composta de escravos, e como muitos trabalhadores
eram necessários para manter toda esta indústria, a quantidade de escravos
negros nos EUA se tornou absurda, mesmo após a proibição do tráfico. Isto mudou
os rumos da escravidão no país, e o grande número de escravos foi um dos
principais fatores que levou à Guerra da Secessão.
Hoje
em dia, a palavra “algodão” se refere a um grupo de 50 espécies do gênero Gossypium (Malvaceae) encontradas
naturalmente no sudeste do México, nordeste da África e Arábia, e na Austrália.
Contudo, quatro dessas espécies são comercialmente mais utilizadas devido à
qualidade das fibras presentes em suas sementes: G. hirsutum, G. barbadense,
G. arboreum e G. herbaceum.
Além
da importância agrícola do grupo, o gênero Gossypium é um excelente modelo de
estudo dos mecanismos de hibridização, biogeografia, alongamento celular e
biogênese de parede celular. As caracterítiscas das fibras e a seleção das
espécies de maior importância econômica são resultado destes estudos, e pesquisas
de engenharia genética e fisiologia vêm buscando formas de maximizar a
produtividade da agricultura.
Apesar
de ser denominada “fibra de algodão”, o termo mais apropriado é tricoma. Essas
células são formadas da epiderme do óvulo durante a abertura da flor, passando
por 4 etapas; diferenciação da fibra, alongamento celular, deposição da parede
secundária e maturação.
Sementes maduras das
subespécies tetraplóides de Gossypium
hirsutum (A e B, respectivamente), as espécies
tetraplóides de G. tomentosum (C), G. arboreum (D), G. herbaceum (E) e as espécies diplóides de G. raimondii (F), G.
davidsonii (G), G. longicalyx
(H), G. anomalum (I) e G. sturiianum (J). Variações do tamanho
da semente e as características das fibras de A – J são evidenciadas no painel
K. (Extraído de WENDEL; APPLEQUIST; CRONN 2001).
Entre
as 50 espécies de algodão já descritas, as comercialmente mais utilizadas são
alotetraplóides - um tipo de poliploidia onde os cromossomos derivam de
espécies diferentes, no caso, quatro vezes cada cópia dos cromossomos -, e a
maioria restante, diplóide. Acredita-se que a poliploidia foi o fator decisivo
na escolha dessas espécies em razão da diminuição da homozigose e a expressão
de genes quantitativos relacionados às características das fibras. Assim, o
termo “qualidade da fibra” refere-se à graduação dessas características,
facilitando as transações comerciais desse insumo.
A
economia algodoeira movimenta hoje aproximadamente 12 bilhões de dólares, mais
de 30% da indústria têxtil. O Brasil desponta como um dos maiores consumidores
do produto, o que explica sua posição como terceiro maior produtor e quinto
maior exportador mundial. Outros países que se destacam também são os Estados
Unidos, Índia, China e Paquistão.
Por
ser uma fibra têxtil de origem vegetal, o algodão é, entre as principais
fibras, a de produção mais sustentável, por não requerer tanta água durante o
crescimento ou alterações químicas durante a manufatura. Além disto, do
algodoeiro também são utilizadas várias partes da semente, que dão origem a
compostos que estão muito presentes na indústria alimentícia humana e animal,
como óleo e proteínas.
Autores: Aline Maria Lucchetta, Enrico Cerioni
Spiropulos Gonçalves, Guilherme Garcia Costa e Rodrigo Guedes Hakime.
Bibliografia utilizada:
- ABRAPA (Associação Brasileira de Produtores de Algodão) – Estatísticas: O algodão no mundo. Disponível em: www.abrapa.com.br/estatisticas acesso em 14/03/2015.
- BRADOW J. M., DAVIDONIS G. H. Quantification of Fiber Quality and the Cotton Production-Processing Interface: A Physiologist’s Perspective. The Journal of Cotton Science, Vol. 4, p. 34-64, 2000.
- COMAI L. The Advantages and Disadvantages of Being Polyploid. Nature Reviews, Vol. 6, p. 836-846, 2005.
- COTTON TODAY – About Cotton Susteinability: Cotton vs. Other Fibers. Disponível em: cottontoday.cottoninc.com/sustainability acesso em 14/03/2015.
- DAVIS K. C. How inventions change history (for better and for worse), TED-Ed, 2012.
- EMBRAPA, Cultura do Algodão Herbáceo na Agricultura Familiar-Subprodutos do algodão, 2003. Disponível em: sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br acesso em 14/03/2015.
- HISCOCK S. J., HEGARTY M. J. Genomic Clues to the Evolutionary Success of Polypliod Plants. Current Biology, Vol. 18, p. R435-R444, 2008.
- SEAGULL R. W., OLIVERI V., MURPHY K., BINDER A., KOTHARI S. Cotton Fiber Growth and Development 2 – Changes in Cell Diameter and Wall Birefringence. The Journal of Cotton Science, Vol. 4, p. 97-104, 2000.
- The Biology and Ecology of Cotton (Gossypium hirsutum) in Australia. Office of the Gene Techonology Regulator, 2002.
- TRIPLETT B. A., KIM H. J. Cotton Fiber Growth in Planta and in Vitro. Models for Plant Cell Elongation and Cell Wall Biogenesis. Plant Physiology, Vol. 127, p. 1361- 1366, 2001.
- WENDEL J. F., APPLEQUIST W. L., CRONN R. Comparative development of fiber in wild and cultivated cotton. Evolution and Development, Vol. 3, p. 3-17, 2001.
- WENDEL J. F., BRUBAKER C., ALVAREZ I., CRONN R., STEWART J. McD. Evolution and Natural History of the Cotton Genus. Retirado de: Andrew H. Paterson (Ed.). Genetics and Genomics of Cotton. Plant Genetics and Genomics: Crops and Models, Vol. 3, p. 3-22, 2009.
Muito interessante saber que o algodoeiro é alotetraplóide! Muitas plantas de interesse comercial possuem poliploidia torno de 40% das espécies cultivadas como alfafa (Medicago sativa), algodão (Gossypium hirsutum), batata (Solanum tuberosum), batata doce (Ipomoea batatas), café (Coffea arabica), cana de açúcar (Saccharum officinarum), fumo (Nicotiana tabacum), morango (Fragraria ananassa), trigo (Triticum aestivum), dentre outras. Pra quem se interessar, este link : (http://felix.ib.usp.br/bib138/poliploidia.pdf) leva a um resumo sobre poliploidia em plantas e como esse fator se relaciona com a evolução desse grupo!!!
ResponderExcluirDanilo Sasso Augusto
Olá pessoal,
ResponderExcluirAchei o texto muito interessante. Fiquei curiosa em relação às fibras coloridas, se elas são sintéticas ou naturais, e achei as seguintes informações:
Fibras coloridas de algodão existem há mais de 4.500 anos e já foram identificadas cerca de 39 espécies. A maioria dessas espécies apresentavam tonalidade marrom, embora também tenham sido descritas algodões de tonalidade azul, verde, amarelo e cinza.Por muito tempo, essas fibras coloridas foram descartadas pelas indústrias por "contaminarem" os algodões de tonalidade branca. Além disso, a herança genética das fibras coloridas parece ser controlada por um gene dominante, que apresenta seus alelos em diferentes locus. Portanto, a fibra branca tem herança genética recessiva.
As fibras coloridas reduzem a necessidade do emprego de corantes cancerígenos e apresentam características tecnológicas (fiabilidade, espessura, maturidade, comprimento, uniformidade, quantidade de fibras curtas, resistência e alongamento à ruptura, por exemplo) que são influenciadas pela cor e que demonstram certa instabilidade. Isso pode ser evidenciado, por exemplo na maior quantidade de cera presente em fibras coloridas, que interferem na produção de celulose e, consequentemente, produz fibras de menor qualidade.
Rafaella Eduarda Volpi
http://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/49993/1/FIT-068Poster.223.pdf
http://www.biotecnologia.com.br/revista/bio09/algodao.pdf
Adorei o título: Muito legal ver que até mesmo no algodão, tem uma boa mãozinha humana pra escolher os melhores. Tudo pra aumentar a produção.
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